Herança é um importante tema dentro do Direito de Família. Com o avanço da tecnologia, surgiu um novo tipo de herança: a herança digital, sobre a qual trataremos neste artigo.
As discussões que tratam sobre a herança digital e sua importância na atualidade, demonstram a constante necessidade de adaptação do Direito às práticas cotidianas.
O surgimento da herança digital é prova disso: enquanto a maior parte dos países busca legislar os aspectos mais básicos do uso de dados e a influência do meio digital sobre o mundo fático, o mundo cotidiano já precisa de soluções para lidar com tudo aquilo que um indivíduo falecido deixou no mundo digital – tudo aquilo que é ligado à internet. Com isso, várias plataformas buscam facilitar este tipo de transição e algumas oferecem, até mesmo, opções disponíveis apenas após o falecimento do usuário.
O que é herança digital?
Herança digital é o nome informalmente dado para o conjunto de contas, materiais, conteúdos e acessos de meios digitais. Esses ativos apresentam condição especialmente distinta de qualquer outro bem que compõe a herança tradicional, uma vez que estão hospedados, publicados ou utilizados em plataformas online.
Nesse caso, nem mesmo o indivíduo que deixou a herança exercia a propriedade do material no sentido estrito. Mesmo assim, era ele quem determinava sua publicação e, nesse sentido, a utilizava como uma espécie de manifestação pessoal.
A herança digital pode ser composta por um conjunto de materiais que apresentam valor subjetivo, como opiniões, interações e produções criativas sem valor financeiro. Por outro lado, pode conter assinaturas, serviços vitaliciamente pagos, plataformas com algum valor ou, ainda, contas que contenham um potencial valor financeiro.
A particularidade em plataformas massivamente públicas:
A questão da herança digital é muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista. Em uma rápida análise, é possível estabelecer uma analogia com outros tipos de bens deixados em contas privadas, como o caso de contas bancárias. Dessa forma, percebe-se uma gigantesca diferença no que diz respeito aos princípios envolvidos na questão.
Em uma conta bancária, importa exclusivamente o valor dos bens deixados. Um certo montante financeiro não representa um indivíduo, que provavelmente nunca chegou a enxergar as notas que serão distribuídas aos herdeiros, caso optem por sacar sua herança em espécie, por exemplo. Nesse caso, bastará acessar e dividir.
Uma herança digital, por sua vez, costuma trazer um valor muito mais simbólico do que financeiro. Mais do que isso, lida diretamente com a subjetividade do indivíduo que a deixou.
Em uma conta de rede social, por exemplo, não há o que ser dividido entre os herdeiros. Há, por outro lado, o interesse dos herdeiros em definir o que será feito com aquela conta. Pode-se optar por um memorial, pela exclusão completa ou, ainda, pela manutenção de eventuais publicações já programadas pelo indivíduo com antecedência.
Por último, uma conta pessoal em uma rede social é a continuidade da representação pública de um indivíduo que já faleceu. Cabe aos herdeiros preservar os desejos dessa pessoa em termos de representação, sem extrapolar limites principio-lógicos do ordenamento jurídico.
Quais seriam esses limites?
Embora a legislação não determine nominalmente o que um herdeiro digital pode ou não fazer, é necessário que se respeite os limites da razoabilidade, assim como outros princípios centrais do ordenamento jurídico brasileiro.
É razoável, por exemplo, querer preservar os interesses da pessoa falecida. Pode-se imaginar, o caso de um indivíduo que sofria de uma certa doença e utilizou suas redes sociais para falar sobre essa questão por meio de vários vídeos. Ao falecer, deixou alguns vídeos prontos e deixou claro que gostaria que fossem publicados, pois acreditava que eles auxiliavam outras pessoas a enfrentarem o mesmo problema.
É razoável que o herdeiro digital desse indivíduo publique os vídeos mesmo após o falecimento em sua página pessoal. Não é razoável, no entanto, que omita sua morte, fazendo parecer que os vídeos tenham sido gravados há algumas horas, dando continuidade a um projeto pessoal utilizando-se de uma personalidade cujo falecimento foi omitido.
Quais as principais soluções para esta questão?
Atualmente, considerando a disseminação do uso de redes sociais, é bastante seguro apontar que a inclusão da herança digital como parte do planejamento sucessório é o caminho mais adequado para lidar com a questão.
Caso contrário, é de costume que um dos herdeiros que tenha maior intimidade com aspectos digitais seja responsabilizado pela questão, se houver consenso. Havendo disputas sobre o tema, é possível solicitar o apontamento de um responsável em juízo.
No Escritório Renata Pimentel, consideramos que as questões relacionadas à herança e ao inventário devem ser resolvidas com o diálogo e o consenso como objetivos constantes desses procedimentos. Acreditamos que isso é particularmente importante em casos de heranças digitais, uma vez que a legislação ainda oferece espaço significativo para soluções menos desgastantes.
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